Design: Lei contra excesso de Photoshop
Excesso de retoques inspira políticos franceses a criarem lei que obrigará a anexar advertências às fotos alteradas na imprensa, publicidade e embalagens.Reportagem do diário britânico Telegraph informa que a França poderá criar uma ‘Lei do Photoshop’ para alertar e proteger o público dos excessos dos retoques em fotografias.
A ideia por trás dessa iniciativa, à primeira vista bizarra, mas de racionalidade cartesiana, é proteger o público – especialmente as mulheres mais jovens – de padrões de beleza incompatíveis com sua realidade, capazes de incitá-las a desenvolver complexos psicológicos e problemas de saúde sérios, como anorexia e bulimia. Além disso, é também uma tentativa de blindar o consumidor contra as imagens publicitárias enganosas. Não apenas a mídia impressa e a publicidade seriam afetadas, mas também toda a indústria de embalagens.
Estas raríssimas capas sem retoques nem maquiagem estariam livres de levar uma advertência do Ministério da Saúde.
A mania do retoque extremo é bem conhecida do público brasileiro que acompanha a revista Playboy, a ponto de isso ter virado enredo de piadas mensais ao redor das bancas de revistas de todo o país. Mas são muito mais pervasivos os retoques em imagens publicitárias – e eventualmente também em fotos jornalísticas, pois embora isso seja proibido pelos códigos de ética dos veículos, alguma coisa acaba passando, como uma alteração no contraste ou um reenquadramento ‘esperto’, que podem fazer a foto contar a notícia de outra maneira.
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O fato cabal é que alterações de fotos no Photoshop são tão generalizadas que simplesmente não é mais realista esperar que o público tenha consciência delas a toda vez que contempla uma imagem na mídia.
Na França, o fato virou polêmica desde que foi desmascarado um retoque na barriga do presidente Sarkozy em uma foto dele sem camisa, há dois anos. Em abril de 2009, a revista Elle francesa publicou fotos sem nenhum retoque de várias beldades, incluindo as capas Monica Bellucci, Sophie Marceau e Eva Herzigova. Parecia ser o começo de uma revolução. Fotógrafos já andavam ensaiando essa rebelião e só precisavam de mais aval da mídia. Mas ainda não foi dessa vez.
A realidade dura reemergiu em julho, na revista norte-americana Glamour. Num discreto canto de página saiu a foto de uma modelo com barriguinha natural à vista. Era como se a imagem não-fotoxopada tivesse ido parar ali por puro descuido da equipe de arte. Causou uma comoção pública. Leitoras celebraram o tênue aceno para o afrouxamento dos sufocantes padrões estéticos artificiais que as indústrias da moda e cosmética e as publicações relacionadas promovem como o motor de seu próprio sustento. A editora da Glamour fez elogios na edição seguinte. Mas foi um reconhecimento cínico, pois a revista não mudou em nada o tom editorial. As capas ainda são de modelos-cabide; continuam em destaque as chamadas neuroticamente insistentes sobre a dieta ideal e como queimar muito mais calorias.
O desconforto crescente terminou por deflagrar uma nova cruzada cultural no país que é o mais especializado em cruzadas culturais dentro do mundo civilizado. Um grupo de 50 políticos franceses redigiu um projeto de lei instituindo tarjas de advertência em todas as fotografias alteradas, com o seguinte texto: Fotografia retocada com o objetivo de alterar a aparência física da pessoa.
Se a lei passar, os artistas digitais continuarão tendo o direito de reinventar a realidade em suas imagens, mas no caso de eles não declararem isso explicitamente com a tarja de advertência, pagarão uma multa que pode ir do equivalente a 90 mil reais até metade do orçamento total da campanha.
Fica a reflexão para os manipuladores de imagem. A fronteira entre a fotografia e a ilustração é quase invisível no mundo digital. Isso pode criar problemas de comunicação. Se os diretores de arte de todo o mundo não tiverem critério na forma como apresentam suas criações visuais, legisladores e juízes sem a mínima noção de artes visuais tomarão para si a tarefa de controlá-los. O aviso foi dado.
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